Ana foi a mais um culto no domingo. Ao chegar, viu o que era de costume: os pastores orando, os músicos da orquestra orando e aquecendo, o coral se preparando, enquanto as demais pessoas chegavam à igreja também e ocupavam os lugares. Ao iniciar o culto, foram executados três hinos da harpa pela orquestra, com o grupo de louvor cantando junto, tudo de forma impecável e bonita. Mesmo assim, Ana fica chateada, pois esperava que se tocasse/cantasse aquele hino bem animado, agitado, o tal do “Solta o cabo da nau”.
O que Ana não sabia é que este sequer é o nome do hino. E também não possui “ritmo animado”.
Muitas vezes você já deve ter ouvido falar por diversos pregadores de que, no Céu, tudo será diferente, de que haverá somente alegria. Ora, isto é fato; é bíblico: Em Ap 21. 4 diz que “Deus limpará de seus olhos toda a lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas”. Podemos citar aqui também o início do Salmo 23, que é um dos textos mais conhecidos de toda a Bíblia Sagrada, onde diz que “O Senhor é meu pastor e nada me faltará”, para concluirmos de que, lá no céu, sequer haverá pastores, pois estaremos juntos com Jeová, que será nosso pastor. Mas, e a música? Onde entra neste contexto? Haverá música no céu?
Não somente haverá música, como também haverá um cântico completamente novo, de acordo com Ap 5. 8-9: “E, havendo tomado o livro, os quatro animais e os vinte e quatro anciãos prostraram-se diante do Cordeiro, tendo todos eles harpas e salvas de ouro cheias de incenso, que são as orações dos santos. 9: E cantavam um novo cântico, dizendo: Digno és de tomar o livro, e de abrir os seus selos; porque foste morto, e com o teu sangue nos compraste para Deus de toda a tribo, e língua, e povo, e nação; ”.
Ora, ações de músicos possuem menção na revelação de Jesus Cristo à João, no livro do Apocalipse: Harpas; o ato de cantar; cânticos. Pregadores e pastores afirmam que o ministério da música é o único ministério que não deixará de existir na segunda vinda de nosso Senhor Jesus Cristo
Então, por que, após todas estas belíssimas informações bíblicas, Ana ainda ficaria chateada? Por não haver tocado o hino que ela gostaria de ouvir? E se fosse executado, seria realmente o que ela estava esperando ouvir? De qualquer modo, esta seria uma situação em que Ana provavelmente já esqueceria após alguns minutos. E é aí que começa o problema.
Se no final daquele culto fosse perguntado à Ana se ela gostou do segundo hino que a orquestra executou, talvez Ana exclamasse “Sim, muito bonito! ”, mas talvez ela sequer recordasse direito a letra do hino. Ou, pior ainda, sequer passou pela cabeça de Ana os acordes dissonantes, a construção melódica do hino ou os fraseados tão delicadamente executados pelo flautista.
Ainda, sequer passou pela cabeça da Ana que aquela orquestra estava ensaiando aquele hino durante um horário em que Ana estaria fazendo quaisquer outras atividades de lazer, como aproveitar um almoço em família, algo que cada um daqueles membros poderia estar fazendo também.
Ainda, sequer passou pela mente de Ana que, por ser uma execução deveras complexa, já faziam 4 finais de semana que a orquestra se reunia para ensaiar aquele hino, com o sentimento de dever cumprido naquele culto, em cada um daqueles músicos presentes, por finalmente estar executando aquele arranjo, tendo a certeza de que Deus estava recebendo!
Ainda, sequer passou pela mente de Ana que, durante este período em que a orquestra estava a ensaiar, alguns músicos ansiaram por executar as frases do hino de forma impecável, e organizaram pequenos ensaios entre eles nos dias de semana mesmo, após o término das aulas noturnas na faculdade.
Ainda, sequer passou pela mente de Ana as inúmeras horas que o maestro da orquestra passou estudando as inúmeras frases de cada um dos instrumentos, lendo e relendo as mais de 20 páginas com pequeninas notas musicais em cada uma, planejando a melhor forma de repassar cada frase aos seus músicos, para que a execução pudesse se concretizar da melhor forma possível, extraindo a essência de cada músico.
Ainda, sequer passou pela mente de Ana a busca do maestro pelo arranjo, fazendo vários contatos e pesquisas para descobrir quem era o escritor e buscar aquele arranjo de fonte lícita, direto da pessoa que escreveu aquele arranjo, e não de um “pacotão de arranjos” de algum desconhecido que quis entregar ao maestro em algum dia, contendo “os arranjos mais belos da Harpa Cristã feitos pelos grandes maestros”.
Ainda, sequer passou pela mente de Ana as horas, dias e talvez até semanas em que o arranjador se dedicou, escrevendo aquela inspiração que ele recebeu quando estava no trabalho, sentindo aquele anseio em querer chegar em casa e escrever, agradecendo ao Senhor por cada notinha musical que estava presa na cabeça dele enquanto escrevia.
Tudo isso aconteceu, e o nome do Senhor foi glorificado em cada um desses atos! Mas Ana apenas sabia de uma coisa: Estava chateada, pois queria cantar “Solta o cabo da nau” naquele dia.
Tudo que deve ser feito ao Senhor, em sinal de adoração à Ele, precisa ser feito com decência e ordem (1Co 14. 40), e com a música não é diferente: Ela requer preparo, tanto profissional quanto espiritual, quando se trata do louvor em adoração ao Senhor (Sl 33. 3). Assim como ninguém suporta ouvir uma música mal cantada por falta de dedicação ou preparo, precisamos estar confiantes e preparados antes de louvar ao Senhor, e adorá-lo em espírito e em verdade.
Infelizmente, por causa da área da música ser vista muitas vezes como um simples hobby ou como um entretenimento, ela não recebe a devida seriedade, resultando em pequenas frases como “toca aí para mim esse hino, é bem fácil”, deixando de lado todo o valor espiritual que a preparação no louvor requer. E isso reflete no músico o quanto o trabalho todo que houve por trás – muitas vezes onde o resultado dura meros 5 minutos – se torna invisível, pois satanás ataca de inúmeras formas todos aqueles que trabalham na obra – incluindo músicos. A pior parte é que se levam meses ou até mesmo anos para se formar um bom músico, mas basta alguns segundos de nossa falta de entendimento para destruir tudo.
Será mesmo este o melhor tratamento para um ministério que perdurará até os séculos dos séculos? Para muitos, desde que se toque “Solta o cabo da nau”, aí sim: está tudo certo. Está “tudo” certo.
A propósito: “Solta o cabo da nau” – o hino nº 467 da Harpa Cristã – se chama “Sobre as ondas do mar”, e possui ritmo 6/8, ao invés do 4/4 que todos estamos acostumados a ouvir: